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25 de Abril de 2024

STJ Decide Que a Lei Maria da Penha é Aplicável à Violência Contra Mulheres Trans

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, estabeleceu que a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006) se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais.

Publicado por Karl Advogados
há 2 anos

Inicialmente, o juízo de primeiro grau do TJSP negou a aplicação das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha por entender que elas seriam limitadas à condição de mulher biológica.

O caso chegou até o STJ e, assim, o colegiado entendeu por dar provimento ao recurso do Ministério Público, que argumentou que não se trata de fazer analogia, mas de aplicar simplesmente o texto da lei, cujo artigo 5º [1], ao definir seu âmbito de incidência, refere-se à violência baseada no gênero, e não no sexo biológico.

Dessa forma, considerando que, para efeito de incidência da lei, mulher trans é mulher também, a Turma determinou a aplicação das medidas protetivas previstas no artigo 22 [2] requeridas por uma transexual após ela sofrer agressões de seu pai.

Segundo o Ministro relator Rogerio Schietti Cruz: "Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias".

O Ministro relator abordou ainda os conceitos de sexo, gênero e identidade de gênero, com base na doutrina especializada e na Recomendação 128 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) [3], que adotou protocolo para julgamentos com perspectiva de gênero. Segundo o magistrado, "gênero é questão cultural, social, e significa interações entre homens e mulheres", enquanto sexo se refere às características biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, de modo que, para ele, o conceito de sexo "não define a identidade de gênero".

Para o Ministro, a Lei Maria da Penha não faz considerações sobre a motivação do agressor, mas apenas exige, para sua aplicação, que a vítima seja mulher e que a violência seja cometida em ambiente doméstico e familiar ou no contexto de relação de intimidade ou afeto entre agressor e agredida.

Ademais, o relator destacou alguns entendimentos doutrinários segundo os quais o elemento diferenciador da abrangência da lei é o gênero feminino, sendo que nem sempre o sexo biológico e a identidade subjetiva coincidem, e declarou: "O verdadeiro objetivo da Lei Maria da Penha seria punir, prevenir e erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher em virtude do gênero, e não por razão do sexo".

O Ministro trouxe dados alarmantes sobre assassinatos dessa parcela da população dizendo que o Brasil responde, sozinho, por 38,2% dos homicídios contra pessoas trans no mundo, e apontou a necessidade de "desconstrução do cenário da heteronormatividade", permitindo o acolhimento e o tratamento igualitário de pessoas com diferenças.

Por fim, quanto à aplicação da Lei Maria da Penha, o Ministro lembrou que a violência de gênero "é resultante da organização social de gênero, a qual atribui posição de superioridade ao homem. A violência contra a mulher nasce da relação de dominação/subordinação, de modo que ela sofre as agressões pelo fato de ser mulher".

No caso em análise, o Magistrado concluiu que: "A Lei Maria da Penha nada mais objetiva do que proteger vítimas em situação como a da ofendida destes autos. Os abusos por ela sofridos aconteceram no ambiente familiar e doméstico e decorreram da distorção sobre a relação oriunda do pátrio poder, em que se pressupõe intimidade e afeto, além do fator essencial de ela ser mulher".

O processo está sobre segredo de justiça.

Aproveitando essa importante decisão do STJ, bem como o Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia (17 de maio), o Karl advogados relembra alguns dos direitos conquistados pela comunidade LGBTQIA+.

Autorização à união e ao casamento civil:

O STF, no julgamento conjunto da ADPF nº 132/RJ e da ADI nº 4.277/DF, em 2011, proibiu que qualquer cartório, magistrado ou tribunal do país discrimine as pessoas em razão do sexo, seja por motivo de gênero, seja de orientação sexual.

O artigo 1.723 do Código Civil, que reconhece como entidade familiar a união entre o homem e a mulher, deve ser interpretado conforme à Constituição para incluir a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, por também ser espécie de família.

O STJ reconheceu, inclusive, a juridicidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, no REsp 1.1833.78/RS (2011), tendo sido essa orientação incorporada pelo Conselho Nacional de Justiça na Resolução nº 175/2013.

Alteração do nome no registro civil:

A alteração do nome civil pode ser ocorrer em duas situações:

Alteração Extrajudicial: feita em cartório no primeiro ano após atingida a maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família;

Alteração Judicial: feita por ação judicial, sem limite de prazo, desde que haja “justo motivo” (O STJ decidiu que todos os tribunais do país devem entender como “justo motivo” qualquer situação que cause embaraço ou constrangimento pessoal).

Direitos patrimoniais:

Ao equiparar os casamentos e as uniões homoafetivas aos casamentos e às uniões heteroafetivas, reconheceu-se que todos estão sujeitos às mesmas regras do ordenamento jurídico, quais sejam, direito à pensão alimentícia, divisão de bens, pensão por morte, herança, etc.

Direito à adoção:

Com a equiparação jurídica já mencionada, os casais homossexuais também passaram a ter direito a adotar filhos.

A proteção das crianças e adolescentes é prevista no ECA. Assim, ainda não há na legislação, quanto ao tema da adoção, nenhuma regra que diga que pode, mas também não há dizendo que não pode.

Dessa forma, aplicam-se as mesmas regras, por analogia, impostas aos casais heterossexuais para a adoção.

Criminalização da homofobia e transfobia:

Como o Congresso Nacional ainda não editou lei sobre a criminalização da homofobia e da transfobia, o STF entendeu que essa demora era inconstitucional.

Assim, ao julgar a ADI por omissão nº 26 e o Mandado de Injunção nº 4.733, o STF reconheceu que a proteção penal às pessoas LGBTQIA+ é deficitária e que o Congresso está omisso quanto ao tema.

Dessa forma, o STF entendeu que as práticas homotransfóbicas são uma espécie do gênero racismo, haja vista serem atos de discriminação que ofendem os direitos e as liberdades fundamentais.

Diante disso, o Supremo deu interpretação conforme à Constituição para enquadra a homofobia e a transfobia nos tipos penais da Lei de Combate ao Racismo (Lei nº 7.716/1989) enquanto o Congresso não editar uma lei própria sobre a homotransfobia.

Escrito por Eduardo Bontempo (OAB/DF 58.017).


[1] Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

[2] Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 ;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e

VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.

[3] Art. 1o Recomendar aos órgãos do Poder Judiciário a adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, aprovado pelo Grupo de Trabalho instituído por intermédio da Portaria CNJ no 27/2021, para colaborar com a implementação das Políticas Nacionais estabelecidas pelas Resoluções CNJ no 254/2020 e 255/2020, relativas, respectivamente, ao Enfrentamento à Violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário e ao Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário.

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